Problemas que NÃO existem

Como resolvê-los, onde vivem, do que se alimentam…

Renato Ávila
4 min readJun 17, 2021

Por Renato Ávila

Vamos começar pela conclusão e, sem delongas, temos duas formas de resolver os problemas que não existem:

1º forma — Com muito desperdício e pouco aprendizado (vamos chamar aqui de Bicho Papão)

2º forma — Com pouco desperdício e aprendizado suficiente

E onde habitam, do que se alimentam? Bem, podemos dizer que eles moram na Floresta Encantada, sempre passeando pelos caminhos perfeitos e tem uma dieta que pode variar entre vaidade e egoísmo, às vezes um prato com disputa de poder ou apenas a falta de conhecimento mesmo… mas a sobremesa é sempre o “achismo”.

Agora sim vamos para a introdução :-) …

O principal motivo desse texto é a gente trocar ideias sobre as armadilhas na solução de problemas. Nossos produtos, serviços, trabalhos, processos, etc o tempo todo nos desafiam com problemas a serem resolvidos. É o problema do cliente, do usuário, da área interna, do sistema, da arquitetura, do produto, da plataforma, do fornecedor, do governo… Mas estamos atacando problemas que realmente existem?

A questão maior não é fechar os olhos e ignorar os problemas que não existem. Afinal, às vezes a partir deles que algumas das grandes e brilhantes ideias estavam escondidas e ninguém havia visto ainda (vou comentar mais a frente, por não ser foco deste texto).

3 pessoas com o ponto de interrogação nas mãos

O ponto que destaco aqui é como tratamos os problemas e, brincadeiras à parte, sabemos que muitas das demandas que chegam para o time de produto, desenvolvimento ou em qualquer outro contexto organizacional podem ter sido originadas simplesmente para que alguma área/pessoa queira “mostrar serviço”, por exemplo, e se alimentam do ego/vaidade. E então, como demonstrar que esse é um problema que não existe e não deveríamos desperdiçar tempo, dinheiro ou qualquer recurso? A resposta pode parecer simples, mas nela mora uma armadilha, que é a frase da moda: Vamos testar uma hipótese?!

Parece que essa frase virou a forma mais “bonita” atualmente de falar que é pra fazer algo por que fulano está mandando, ou por achar que algo realmente vai fazer diferença. E tudo bem para o feeling, vamos falar disso também.

Etapas básicas do modelo científico
Etapas básicas do modelo científico (Fonte)

O tal teste de hipótese é descrito num modelo científico (colegas de mestrado sabem muito bem disso rs). E a hipótese pode ser confirmada ou refutada. Uma metodologia científica pode ser usada desde a pesquisa para a vacina da COVID até para o entendimento do que devemos lançar de funcionalidade em nossos produtos digitais. Mas tá bem, e daí? Como essas coisas todas se encaixam?

Desmontando a armadilha, digo que o perigo dessa “modinha” é quando não acontece, como ponto de partida, a análise de dados e experiências (observação e perguntas) que fundamentem a existência real daquele problema.

Mascarado em um teste de hipóteses, sem um correto método ou modelo de trabalho, muitos problemas que não existem geram um desperdício enorme de recursos (tempo, dinheiro, horas de trabalho, etc) para ao final de uma grande jornada pelo “caminho perfeito” gerar o aprendizado de que foi resolvido algo que não existia. O desperdício aqui foi tão grande, que o aprendizado (quem sim, é válido) se torna tão pequeno que não valeu a pena. E por isso o Bicho Papão entra e, se ficar ele te engole, se correr ele te pega.

Do outro lado (ainda considerando um problema que não existe), quando o teste de hipótese é iniciado pelo entendimento real do problema, é possível algum desperdício de tempo, dinheiro, trabalho. Mas rapidamente identificamos com dados, fatos, evidências, que não vale a pena seguir em frente e, então, a gente abandona/”pivota” esse caminho.

Observe que o aprendizado é o mesmo (o problema não existe), porém como gera menos desperdício, o custo desse aprendizado foi o suficiente para escapar do Bicho Papão.

Prometi falar do feeling e ele realmente não pode ser desmerecido. Por vezes os dados estão tão escancarados no dia a dia das que permite a convicção emocional nos guiar para iniciar um experimento, antes mesmo de validar o problema. Se esse é o caso, não perca tempo e, nas primeiras oportunidades, colete os dados! mesmo que de forma retroativa e valide a existência real do problema.

Às vezes realmente é impossível iniciar com a análise dos dados completa. Como exemplo eu trago a criação de uma grande produto que surgiu nesse contexto. Imagina a criação do Easy Taxi (quem não conhece a história do Tallis Gomes, indico muito). Ele não tinha dados sobre a demanda para o problema que ELE tinha. Do ponto de vista científico, ele tinha uma suspeita, um feeling de que o problema era real e de muita gente. Foi com muito pouco (formulários, blog e ligações telefônicas) que ele começou a executar o experimento e coletou dados suficientes para entender que era um problema real a ser resolvido. Esse e outros exemplos de sucesso não começaram com uma mirabolante inteligência artificial e aprendizado de máquina e sim com o felling. Mas novamente, se Tallis estivesse errado, o desperdício da implantação do experimento teria sido absurdamente baixo pelo aprendizado. Ainda bem que ele estava certo!

Então, pessoal, agora é decidir o que fazer quando o próximo Bicho Papão aparecer. Até então a gente sabia que era ficar ou correr. Agora não somos mais tão ingênuos e sabemos que é possível saltá-lo!

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Renato Ávila

Marido, apaixonado em curtir a vida, a natureza e atuando na transformação digital de grandes marcas mundiais